#02: Naufrágio
"Não há estrelas no céu, apenas anis dentro de uma xícara com água fumegando"
A tarde dava adeus. O sol fraco buscava se espremer entre as nuvens escuras que premeditam a escuridão de uma noite sem lua.
Ele olhava seu mapa com algumas marcas em “x” feitas com um canivete desgastado e carcomido pela oxidação. A luz de seu candeeiro travava uma luta para perpassar as marcas, no entanto, sua iluminação era necessária para a leitura. Um tanto fraca, amarelada, e ainda assim firme e rija, protegida.
Se encontrava sozinho. Parte da areia estava cavada e alguns montantes estavam formados.
— Bom, devo presumir que já encontraram a joia que jazia enterrada — balbuciou enquanto guardava o mapa.
Há tempos, enquanto buscava fugir de piratas, nosso colega teve a grande infelicidade de se chocar com outro navio. Sua tripulação era pequena, assim como sua embarcação, logo, o dano maior fora causado pelo inimigo. Carregava grandes sacas de alimentos, tesouros pessoais e seu ganha-pão girava em torno de longas viagens entre países carregando o que quer que seus líderes desejassem.
Esse infeliz acontecimento obrigou todos a abandonarem o navio e, com isso, buscarem alguma forma de sobrevivência. Sem tempo e sem armas potentes para lutar, carregou a amargura de fugir junto à tripulação, levando consigo apenas um relógio de bolso que continha a foto de sua amada e seu filho pequeno. Quando a foto fora tirada, sua família já o aguardava voltar para casa mesmo sem partir.
Após flutuar em algumas madeiras de seu finado navio, conseguiu chegar em terra firme e sua sobrevivência dependia apenas de si. Sozinho e com medo de perder seu único bem que lhe entregava sentido à vida e aos dias que se passavam, decidiu enterrá-lo da forma mais segura.
Anos se passaram e nunca esquecera as coordenadas. Marcou com fogo na pele e em algum canto de seu cérebro. Ele voltaria, ele precisava voltar. E cá estamos.
Pegou uma pena, seu tinteiro, ajustou a luz do candeeiro e desatou a escrever. Sua mente corria o mais longe da amargura quanto era possível, porém, aceitar se tornou sua melhor escolha.
Sou um naufrágio.
Busco navegar, mas a âncora está fixada em um concreto seco há anos. Não há estrelas no céu, apenas anis dentro de uma xícara com água fumegando.
Não sinto desejo em levar ninguém ao fundo do oceano comigo. Se você entrar no olho do meu furacão, por favor, saia. Não há possibilidade de um salvamento. Sou dotado de eternos fluxos negativos que contrabandeiam polos positivos de tempos em tempos e minha cota está acabando, não possuo reserva de emergência.
Minha parábola possui uma vértice acentuada que dificulta minha retomada. A guinada precisa ser feita apenas por mim, no entanto, não desejo ver mãos estendidas para me auxiliar em uma subida. O seu risco de queda é maior.
Permaneço aqui, mas apenas até a música que ecoa em minha mente findar.
Em um muxoxo após o suspiro, apagou sua fonte de luz.