#43: O Peso das Pequenas Coisas: Encontrando Leveza na Sobrevivência Cotidiana
Como as pequenas tensões do dia a dia moldam quem somos e a importância de aprender a conviver com elas
Para ler ouvindo Movements - Deadly Dull
Olá, como vai?
É com grande satisfação que trago uma nova edição da nossa newsletter, onde reflito sobre o peso das pequenas coisas e como elas afetam nossa saúde mental. Entre a pressa do cotidiano, as redes sociais e o ritmo acelerado do capitalismo, vamos conversar sobre como essa corrida invisível se acumula dentro de nós, tornando o dia a dia uma verdadeira batalha interna. Espero que este texto inspire uma pausa, um momento de introspecção e abra espaço para conversas profundas e necessárias. Que possamos, juntos, encontrar leveza em meio ao caos e seguir nessa jornada de autocuidado e reflexão.
Os Pequenos Pesos que Carregamos
Às vezes, a vida parece um campo minado de pequenas coisas. Coisas que, isoladas, não significam muito: um e-mail que ficou sem resposta, uma palavra atravessada, um compromisso que não deu tempo de cumprir. São aquelas pontadas leves de ansiedade que vêm e vão, como picadas de insetos que você só percebe quando já está coçando.
Esses detalhes, que à primeira vista são irrelevantes, me lembram uma fala de Virginia Woolf em As Ondas: "Cada um de nós deixa sua marca nos espaços vazios"—como se esses pequenos incômodos fossem sombras projetadas em nossas paredes internas. A gente aprende a ignorar, a deixar para lá. Mas, conforme os dias passam, essas coisinhas vão se acumulando como poeira nos cantos da mente. De repente, você se pega exausto, sem saber ao certo de onde vem esse peso que parece pressionar os ombros, e só então percebe que é o acúmulo de todas aquelas pequenas tensões.
Lembro de uma cena de Encontros e Desencontros, de Sofia Coppola, onde o silêncio entre os personagens diz mais do que mil palavras. Naquela solidão compartilhada, há um eco das pequenas coisas que nunca falamos, mas que sempre carregamos. É como uma bolsa que você carrega. No começo, ela está leve, quase vazia, e parece que não tem problema colocar mais um papelzinho aqui, um chaveiro ali, um livro que você prometeu devolver. Até que, um dia, você a coloca nos ombros e sente que está pesada demais, quase insuportável.
E aí, fica difícil saber o que tirar, o que ainda tem valor e o que já pode ser deixado para trás. Talvez seja isso que Albert Camus quis dizer em O Mito de Sísifo, ao descrever a luta constante de carregar uma pedra montanha acima. "Deve-se imaginar Sísifo feliz", ele diz, mas será que ele falava sobre encontrar felicidade mesmo quando o fardo parece insuportável? Ou, talvez, sobre o absurdo de tentarmos carregar tudo, como se não pudéssemos nos desfazer de nada?
A Ilusão da Perfeição
Eu sinto que a vida moderna nos empurrou para esse estado de constante sobrecarga. Estamos sempre tentando manter todas as esferas girando, como um malabarista que não pode deixar cair nenhuma bola. Mas quem foi que nos disse que precisamos ser tão perfeitos assim? Que não dá para simplesmente deixar algumas coisas caírem?
Talvez a coragem esteja em perceber que não precisamos segurar tudo. Em aceitar que nem todo e-mail precisa de uma resposta imediata, que alguns compromissos podem ser adiados e que, às vezes, é melhor calar a palavra que pesa na língua do que dizer e carregar mais um arrependimento.
Uma cena que me vem à mente é de À Espera de um Milagre, de Stephen King, quando Paul Edgecomb se dá conta do peso de suas memórias. É um fardo que não é material, mas que está presente em cada palavra não dita, em cada arrependimento que ressoa no silêncio da noite. Eu aprendi que nem sempre é possível se livrar do peso. Mas a forma como carregamos, sim, pode mudar. Porque, no final das contas, a vida não é feita apenas dos grandes momentos, dos eventos que viram histórias. Ela é feita, também, desses pequenos pedaços que se acumulam. E talvez o segredo esteja em encontrar leveza naquilo que parece impossível de ser aliviado.
Encarando Nossos Fantasmas
Tem dias em que eu simplesmente sento no sofá e deixo tudo lá, esparramado ao meu redor: as preocupações, os medos, as tarefas inacabadas. Olho para elas como quem olha para objetos perdidos, tentando decidir o que realmente precisa de um lugar na minha vida e o que pode ser deixado de lado.
Em As Horas, de Michael Cunningham, a personagem Clarissa Vaughan reflete sobre a trivialidade dos momentos que definem uma vida. "É possível morrer por uma hora, por um instante que se transforma em outro." Talvez seja um alívio perceber que nem tudo precisa ser resolvido. Que, às vezes, deixar um ou dois pratos caírem pode ser o primeiro passo para encontrar um equilíbrio. O peso das pequenas coisas não precisa ser uma carga constante; ele pode ser um lembrete de que somos humanos, e que ser humano é também ser imperfeito, inacabado, em constante processo de desapego.
Para ouvir 💽
Bon Iver – "Re: Stacks"
Com uma melodia minimalista e voz suave, essa música aborda a aceitação da dor e o processo de seguir em frente, mesmo quando as pequenas coisas nos sobrecarregam. Uma excelente escolha para aqueles momentos de introspecção.
The National – "I Need My Girl"
Essa canção de The National é uma reflexão sobre saudade, arrependimentos e o peso das escolhas. O vocal melancólico de Matt Berninger captura a essência das pequenas coisas que se acumulam, tornando-se grandes.
Adorei a reflexão e todas as referências
Sempre necessárias suas palavras.
Aa indicação de Bon Iver me deixou tão feliz essa música é uma das que mais escuto e me conectou.
Que legal encontrar ela aqui, no meio de uma reflexão sobre a nossa condição humana, uma licença para as falhas e apostar no lado humano da vida.
Parabéns e obrigada.