#49: Quando a Lâmina Embota: A Arte de Pausar na Era Digital
Por que a busca incessante por estímulos pode minar nossa clareza e bem-estar
Outro dia, me vi na cozinha, em plena manhã de sábado, com uma xícara de café recém-passado nas mãos. Estava quentinho e aromático, do jeito que eu gosto. Abri o celular para dar uma olhadinha rápida nas notificações... e, quando me dei conta, o café já estava gelado, intacto sobre a mesa. Tinha passado um bom tempo rolando feeds, respondendo mensagens, vendo vídeos curtos — todos meio parecidos. Percebi então um cansaço estranho, não no corpo, mas lá dentro da cabeça, como se a mente estivesse saturada.
É curioso pensar que, séculos atrás, Miyamoto Musashi, no Livro dos Cinco Anéis, já falava sobre a importância de saber a hora certa de atacar e a hora de recuar. Isso no contexto dos samurais, mas não deixa de ter tudo a ver com o que vivemos hoje, grudados às telas. Quando “sacamos” o celular a todo instante, talvez estejamos desgastando nosso “fio de atenção”, sem dar a ele tempo de se renovar.
Há um dito antigo, atribuído à sabedoria do Tao Te Ching, que diz algo como:
“Melhor parar antes de encher demais.
Afiar a lâmina ao extremo fará com que ela perca o corte.”
Ou seja, quando fazemos algo em excesso, podemos acabar perdendo a essência do que realmente importa. Hoje, é como se estivéssemos continuamente afiando nossa “espada digital” — checando atualizações, curtindo posts, assistindo vídeos — sem jamais dar pausa. No fim, nossa lâmina mental, em vez de mais afiada, fica embotada de tantas distrações.
Aliás, esse cansaço mental não é só figurativo. Autores como Nir Eyal, no livro Indistraível, mostram como o excesso de estímulos pode elevar nossa ansiedade e prejudicar memória e concentração. E isso não significa demonizar a tecnologia — longe disso. É só um alerta para que a gente encontre o ponto de equilíbrio, entendendo que ferramentas são úteis quando as utilizamos com propósito.
Thich Nhat Hanh, em O Milagre da Atenção Plena, também nos lembra de algo fundamental: às vezes, a melhor forma de “afiar” nossa consciência é simplesmente parar por um instante. Um minuto de pausa e respiração consciente pode ser tudo de que precisamos para recarregar a mente.
Convite: Que tal experimentar hoje um pequeno ritual de pausa? Desligue as notificações do celular por cinco minutos, feche os olhos e faça três respirações profundas. Perceba o ar entrando, saindo, o peito expandindo e relaxando. Pode parecer pouca coisa, mas esse momento de silêncio ajuda a renovar o fio da nossa atenção — sem a necessidade de mais estímulos para “preencher” cada segundo.
E a internet? Ela vai continuar lá, firme e forte, para quando você voltar. A diferença é que, após a pausa, talvez você encare cada notificação, cada post, de um jeito mais leve, sabendo guardar a “espada” quando não é hora de combate. Afinal, como diz o velho ditado (que vale tanto para lâminas quanto para a nossa mente): “Uma lâmina não deve ser afiada sem cessar, ou logo perderá o fio.”
No fim das contas, parar às vezes é tudo o que precisamos para seguir em frente com mais nitidez — e, quem sabe, até mesmo saborear aquele café antes que ele esfrie.
São nos momentos de pausa, que a vida efetivamente acontece...