#26: The Midnight Gospel e a importância de escutar o outro
Como The Midnight Gospel impactou as pessoas durante a pandemia do COVID?
Para ler ouvindo I Miss Strangers de Death Cab for Cutie.
Oi, como vai?
Durante grande parte da pandemia, fomos impactados com entregas de conteúdos audiovisuais para suprir toda a necessidade de movimento que estava estagnada devido ao distanciamento social e, em Abril de 2020, The Midnight Gospel teve seu lançamento e chegou ao streaming.
Todos devem se lembrar dos momentos de terror que assolaram nossos dias com matérias estampadas em jornais e sem perspectiva do nascer de um amanhã mais brando. Era uma mistura de solidariedade, mãos atadas, mãos dadas à distância e o não-saber sobre o futuro.
Hoje, em 2023, ainda com breves picos e resquícios da pandemia, podemos caminhar com mais confiança, imunizados e ter uma parcela da vida ativa de volta.
Muitos sofreram, muitos perderam, muitos não estão mais entre nós em sua forma orgânica. Lidar com o luto é uma tarefa que leva tempo e é singular. A parábola ritualística precisa acontecer, é uma tarefa dos vivos para os vivos, em memória daquele que é velado e em honra aos seus trabalhos terrenos. E quando perdemos esse ritual? E quando não podemos sequer nos despedirmos de sua casca orgânica?
Essa quebra, esse rompimento, do padrão gerou ainda mais dor aos que ficaram. No entanto, a necessidade de ressignificar urge para que o luto se desenvolva e, querendo ou não, The Midnight Gospel fala sobre isso em um episódio em específico.
Afinal, do que se trata The Midnight Gospel?
Os podcasts e videocasts estavam em sua crescente nos tempos de confinamento. Grande parte era para compartilhar informações e levar mais conforto diante de um mundo em colapso, no entanto, estávamos acostumados com pessoas reais, sentadas diante de câmeras, em um bate-papo longo. The Midnight Gospel deu um passo além.
No formato de animação, acompanhamos a trajetória de Clancy, dublado por Duncan Trussell, em aventuras fantásticas através do multiverso e simulações. Em primeiro impacto, pensamos ser uma viagem despretensiosa, afinal, é bastante colorido e cada episódio se passa em um universo único e com bastante surpresas.
Ultrapassando a barreira criativa, a série se baseou no podcast Duncan Trussel Family Hour para dar vida narrativa à animação. No entanto, a carga emocional em cada episódio é bastante filosófica e possui uma troca muito fácil de acompanhar - mesmo com bastante cor de background ilustrado, já que o diálogo é o principal foco dos episódios.
Entretanto, The Midnight Gospel é sobre reflexão e o olhar interior. Escutar o próximo para que você possa se escutar e sentir ecoar o outro dentro de si. E este exercício é traduzido durante as conversas entre Clancy e convidados.
Os entrevistados realmente existem?
Sim, tudo o que acompanhamos na série faz parte do podcast de seu criador. Pensando bem, como não se apaixonar pelo existencialismo quando falamos sobre a morte e seus tabus - e rituais?
Para mim, alguns episódios merecem ser acompanhados separadamente e com bastante atenção:
Com uma abordagem mais religiosa, o episódio Deer Dog traz a voz de Anne Lamott. O viés sobre a efemeridade e a morte é muito bem compartilhado neste episódio.
Carregado de diálogos sobre morte e sua personificação, Caitlin Doughty, autora de um dos meus xodós, Confissões do crematório: Lições para toda a vida, compartilha sobre o conforto, processos e existencialismo em Death.
O mais icônico, e que me fez perder as estribeiras, Deneen Fendig, é o episódio sobre o luto. A mãe de Duncan Trussell, criador do podcast, troca um papo genuíno e cria uma representação sobre o ciclo da vida e o que fazer quando estamos tomados pelo temor de perder quem amamos. Deneen faleceu três semanas após a gravação com Trussell.
Você chora…
Sim, você chora. O último episódio é uma grande e belíssima homenagem de Trussell à sua mãe. É possível encontrar bastante busca pelo conforto enquanto o episódio se desenrola e, intrinsecamente, sentimos e compartilhamos boa parte de seu sentimento.
Nós fazemos parte do todo e o todo faz parte da transformação, e o que fazer quando sofrer? Você chora…
Essa é uma das passagens mais belas que The Midnight Gospel proporcionou para nós. De forma simples, sem burocracia e sem receita, já está dentro de nós o princípio do conhecimento no sofrimento. O ato de chorar, no entanto, precisa ser elaborado e vivido.
O luto não tem um passo a passo e sequer uma sequência. Não há a possibilidade de computar o tempo e prazo que ele faz morada em nós, porém, não podemos deixá-lo varrido sob o tapete. Viver o luto - que curioso - é uma forma de fazer amizade com a nossa essência orgânica, animal, humana. E, por isso, The Midnight Gospel acertou em mostrar o efeito da escuta, criar a verossimilhança e empatia enquanto o mundo além de nossa janela estava implodindo.
O fim da série e a perspectiva
A série revolucionou o mercado de podcast e videocast com sua proposta. Entretanto, a série foi cancelada pela Netflix por perspectivas financeiras, já que o programa não promoveria uma base de fãs. Bom, nem tudo precisa mover o mundo para nos impactar.
Gosto de ressaltar a importância da escuta - e principalmente da escuta qualificada. Após vivenciar cada episódio, decidi buscar a formação em psicanálise para promover atendimentos sociais e me qualificar para trocas com pessoas em sofrimento.
A realidade é nua, crua e injusta. O mundo da fantasia não se sustenta por muito tempo e, querendo ou não, as essências da realidade encontrarão brechas em seu bunker de proteção.
Quanto mais cedo lidarmos com a verdade, e suas consequências, mais cedo poderemos ressignificar e trazer uma nova perspectiva aos traumas e rituais - e tabus - que sempre estarão presentes em nossa vida e na vida de todos ao nosso redor.
Se permita passar pelos caminhos, mesmo que escuros e tortuosos. Você só poderá se livrar dos pesos quando enfrentar o processo. Permita-se.
Por hoje é isto. Boa semana, boa batalha e volte sempre :)
Beijos,
Lucas.
Nos meus fones
City And Colour lançou um disco novo e nada mais importa! The Love Still Held Me Near merece sua atenção do começo ao fim.
Eu redescobri Death Cab for Cutie e essa versão acústica de I Miss Strangers é tudo.
Scary Pockets é uma banda de covers que dão uma outra roupagem às músicas. Essa versão de Iris, de The Goo Goo Dolls ficou absurda.
Nas telas
Finalizei The Last Of Us e, Joel, eu te entendo e ao mesmo tempo você fez nascer uma angústia em meu âmago.
Ultimamente estou maratonando John Wick para poder assistir ao novo filme no cinema. Então, sem muitas mudanças por aqui nas telas. Se tiver alguma indicação, por favor, me envie!
Nas leituras
Sigo em minha jornada em Os Registros Estelares de uma Notável Odisseia Espacial e, de verdade, esse último livro tem uma narrativa confusa.
A autora está tentando criar um funil onde, em seu fim, fará com que todos os personagens se conheçam de alguma forma.
No entanto, é muito difícil de acompanhar as mudanças dos capítulos, já que os ganchos são bem fracos. Isso acaba gerando um desconforto e confusão como “quem é mesmo esse personagem”?
Enfim, fica aí minha indignação hahahaha, mas vou finalizá-lo nesta semana. Logo menos os reviews aparecerão em meu bookstagram.
Muito boa a news, mas vim mesmo agradecer por ter dito sobre o novo de City and Colour! Lembrei que li de manhã a indicação e coloquei pra ouvir agora até eu pegar no sono. :) Já tô adorando! Bjs!