Para ler ouvindo Home Is Where The Haunt Is, de American Football
Oi, como vai?
Eu penei para escrever a 40ª edição pois haviam muitos temas orbitando minha caixola. No entanto, há alguns dias uma sensação gritou e esse texto criou braços, pernas, tronco e alma. Deixei ele passear, conversar comigo e tomar um café. Esse texto é sobre decorar uma casa assombrada, a nossa casa assombrada. Nós.
Tem dias em que o silêncio pesa tanto que chega a doer. Eu me pego encarando o teto, na escuridão do quarto, como se estivesse esperando alguma resposta, alguma explicação que nunca vem. Você já sentiu isso? Como se estivesse esperando por algo que nem sabe se um dia vai chegar? A vida vai passando, e a gente se acostuma a viver com os fantasmas que trazemos por dentro.
Esses fantasmas... Eles fazem morada na gente. Não são assombrações violentas, daquelas que derrubam móveis e fazem barulho à noite. São sutis, quase imperceptíveis, mas sempre presentes. Eles aparecem no café da manhã, naquela pausa no trabalho, nos dias ensolarados em que tudo parece tão errado. São os velhos medos, as incertezas, as lembranças que a gente tentou enterrar, mas que continuam voltando.
"Home Is Where The Haunt Is", do American Football, parece entender isso. Ou, melhor dizendo, parece aceitar isso. Tem algo de profundamente honesto nessa música, uma melancolia tranquila, como se ela estivesse nos dizendo que, às vezes, o lar é mesmo onde os nossos fantasmas habitam. E tá tudo bem. Tá tudo bem porque talvez seja isso que significa viver.
Por muito tempo, eu tentei fugir dos meus fantasmas. Achava que um dia eles simplesmente iriam embora, como quem apaga as luzes e tranca a porta de um cômodo escuro. Mas o tempo foi me ensinando que certas coisas nunca mudam. O que muda é a forma como a gente as encara. Aprendi que não dá pra lutar o tempo todo, que tem dias em que a gente só precisa sentar ao lado do medo, do arrependimento, e fazer as pazes. Porque, no fundo, esses sentimentos também fazem parte de quem a gente é.
Ouvir essa música me faz pensar nisso. Na aceitação de que, às vezes, a tristeza não vai embora. Ela vai te acompanhar, como um velho amigo que você nunca quis, mas que, de alguma forma, aprendeu a tolerar. O vocal do Mike Kinsella não grita, não implora por respostas. Ele apenas diz: “Eu estou aqui, e sei o que você está sentindo.” E, por mais estranho que pareça, isso me traz conforto.
Eu achava que era fraco por não conseguir mudar algumas coisas em mim. A sociedade nos empurra essa ideia de que devemos sempre melhorar, superar, evoluir. Mas e se, às vezes, o ato mais corajoso for simplesmente aceitar? Aceitar que a gente não vai vencer todas as batalhas, que certos fantasmas vão nos acompanhar até o fim. E tá tudo bem.
Porque o lar, esse conceito que sempre pareceu tão cheio de promessas de paz e segurança, pode ser exatamente o lugar onde nos deparamos com o que mais tememos. E não tem problema. Talvez o segredo seja fazer as pazes com esse lar, com esses fantasmas. Eles não precisam ser inimigos, apenas parte da nossa história.
E quando a última nota da música ecoa, a sensação que fica é essa: de que a vida, com todas as suas cicatrizes, ainda tem beleza. Não uma beleza fácil, alegre, como aquelas que a gente vê nos filmes. Mas uma beleza silenciosa, discreta, que só aparece quando aceitamos que nem tudo precisa ser consertado.
Então, se um dia você se sentir assim, como se estivesse apenas coexistindo com seus próprios medos, lembre-se de que não está sozinho. Estamos todos, de alguma forma, vivendo com os nossos próprios fantasmas. E tá tudo bem.
Um poquito mais…
📚 Leiturinhas
Para sentar na poltrona e curtir um tanto essa atmosfera, compartilho algumas leituras que carregam narrativas sobre este tema tão importante.
"Noites Brancas" - Fiódor Dostoiévski
Esse pequeno romance de Dostoiévski é uma reflexão profunda sobre a solidão e as esperanças que carregamos. Assim como em Home Is Where The Haunt Is, os personagens vivem um momento de introspecção, aceitando as tristezas e desilusões que a vida lhes reserva. Uma leitura breve, mas poderosa, que vai te fazer pensar sobre a relação entre sonhos e realidade."O Demônio do Meio-Dia" - Andrew Solomon
Solomon oferece uma das reflexões mais completas sobre a depressão. O livro explora não apenas o sofrimento, mas a aceitação e a convivência com essa condição, de maneira a transformar algo sombrio em compreensão. Assim como na música, ele não busca soluções fáceis, mas acolhe o peso daquilo que parece imutável."As Horas" - Michael Cunningham
Uma narrativa sensível sobre três mulheres cujas vidas se entrelaçam através de décadas, As Horas fala sobre depressão, aceitação e o peso das escolhas que fazemos. O tom melancólico e a beleza silenciosa do livro remetem ao clima da música, mostrando que, às vezes, conviver com a dor é o caminho para encontrar significado.
💽 Musiquinhas
The World Is a Beautiful Place & I Am No Longer Afraid to Die – "January 10th, 2014"
Essa banda, com uma sonoridade também ligada ao emo e à melancolia, tem letras carregadas de peso emocional e existencialismo. "January 10th, 2014" fala sobre confrontar os próprios medos e traumas. O ritmo, assim como no American Football, cria uma atmosfera que te leva a refletir sobre o que estamos dispostos a aceitar ou mudar.
Foxing – "The Medic"
Foxing é outra banda que capta bem o sentimento de melancolia e introspecção. "The Medic" fala sobre enfrentar a dor e aceitar a vulnerabilidade. Assim como em Home Is Where The Haunt Is, a canção cria uma atmosfera emocionalmente densa, com letras que evocam a sensação de convivência com os próprios fantasmas. A combinação de instrumentação suave e a intensidade emocional das letras torna essa música uma experiência marcante, perfeita para quem se conecta com temas de aceitação e lutas internas.
Por hoje é isto. Boa semana, boa batalha e volte sempre :)
Beijos,
Lucas.
Adorei o texto, Lucas. O que você chama de fantasma, eu costumo chamar de demônios. Chega um momento que a gente precisa aceitar eles. Sentar a mesa, tomar um café e fazer as pazes. ✨
Adorei a edição.
Obrigada por compartilhar suas emoções.
Adorei as indicações musicais, ouvir "January 10th, 2014" e a música que indicou me fez parecer com algo que já ouvi ... Uma coisa meio Angels & Airwaves, um Blink mais melancólico, algo assim.. não sei pq, mas me remeteu a isso.
Sobre Fiódor Dostoiévski quero criar mais uns espaços de profundidade para poder mergulhar na leitura dele. Sinto que ainda me falta... Rs