#47: O Peso da Escala 6x1 e a Gestão do Sofrimento no Trabalho
O Custo Psíquico da Produtividade: A Escala 6x1 em Debate
Olá, pessoal!
Hoje, quero falar sobre um tema que vem inquietando muitos trabalhadores e que, no fundo, afeta a todos nós: a organização da jornada de trabalho em escalas intensivas, como o famoso 6x1. Já parou para pensar no impacto que isso tem sobre a saúde mental, o convívio social e até a maneira como nos vemos?
A escala 6x1 é um modelo de trabalho que exige seis dias consecutivos de dedicação e oferece apenas um único dia de descanso. À primeira vista, parece algo normal na vida de muitos, mas vamos explorar juntos o que está por trás disso e por que precisamos falar sobre esse tema.
O Trabalho como Identidade: Um Reflexo do Neoliberalismo
No mundo de hoje, o trabalho ocupa um lugar central na nossa identidade. A lógica neoliberal transforma a produtividade em um valor pessoal, como se nosso "valor" fosse medido pela nossa resiliência e pela capacidade de suportar rotinas exaustivas. Em seu livro Neoliberalismo como Gestão do Sofrimento Psíquico, Vladimir Safatle e colegas discutem como o sistema transfere a responsabilidade do sofrimento ao indivíduo, que passa a ser visto como "falho" se não conseguir lidar com a pressão.
Em escalas como o 6x1, o esgotamento é tratado quase como um "desafio", e técnicas de autocuidado são oferecidas para "aguentarmos firme". Mas será que precisamos mesmo nos adaptar ao sofrimento? Ou deveríamos questionar o modelo?
Jornada Exaustiva e a Saúde Psíquica: O Que a Psicanálise Diz?
A psicanálise ajuda a entender o impacto dessas jornadas sobre nossa saúde mental. Trabalhar seis dias seguidos esgota não só o corpo, mas também o inconsciente. Estudos mostram que essa falta de descanso nos afasta de atividades que proporcionam prazer, criando um vazio psíquico. Um estudo da American Psychological Association identificou que pessoas em escalas contínuas, como o 6x1, são mais propensas à ansiedade, depressão e sintomas físicos do estresse.
Esses sintomas não são simplesmente “fraquezas” ou “falta de resiliência”. Eles são um sinal de que nosso corpo e mente pedem equilíbrio, algo que o modelo 6x1 parece ignorar.
A Sociedade do Cansaço
O filósofo Byung-Chul Han fala sobre o esgotamento de uma sociedade que exalta a produtividade acima do bem-estar. Ele chama isso de sociedade do cansaço, onde somos tanto o explorador quanto o explorado. A escala 6x1 ilustra essa situação: o único dia de descanso não é um tempo de real recuperação, mas apenas uma pausa mínima para "funcionarmos" na semana seguinte.
Estudos publicados na Harvard Business Review mostraram que 78% dos trabalhadores em escalas intensivas relataram burnout e dificuldades em manter uma vida social saudável. Isso faz sentido quando consideramos que a exaustão emocional e o isolamento se alimentam mutuamente.
Como o Modelo 6x1 Afeta Nossas Relações
O trabalho exaustivo também afeta nossas conexões com os outros. O sociólogo Émile Durkheim já argumentava que a alienação e o isolamento afetam a coesão social. Sem tempo para participar de atividades comunitárias ou manter relações familiares, o trabalhador se distancia da sua rede de apoio, o que aumenta a sensação de solidão.
No Brasil, trabalhadores de call centers, submetidos a escalas contínuas, relataram que mal têm energia para a família e os amigos. Algumas empresas, ao implementarem jornadas mais flexíveis, observaram uma melhora no engajamento dos funcionários e uma queda na rotatividade. Isso nos mostra que repensar a escala 6x1 pode não ser só uma questão de saúde mental, mas também de qualidade de vida.
Repensando o Trabalho: Alternativas e Modelos Possíveis
Com tantos dados e exemplos, fica claro que a revisão do modelo de trabalho é necessária. Em países como a Islândia e o Japão, a implementação de semanas de quatro dias (o famoso 4x3) mostrou resultados positivos: na Islândia, as empresas que adotaram esse modelo reportaram maior satisfação e produtividade. O caso da Microsoft Japão, que adotou a semana de quatro dias e viu um aumento de 40% na produtividade, reforça a viabilidade de jornadas mais equilibradas.
Para nós, talvez a questão não seja apenas “trabalhar menos”, mas trabalhar de uma maneira que preserve nossa saúde física, mental e nossas relações. É possível?
E para você?
Quero deixar uma pergunta para reflexão: como seria seu modelo de trabalho ideal? Ter um tempo de descanso maior mudaria sua relação com o trabalho? Comente e compartilhe sua opinião! Vamos repensar juntos como podemos equilibrar produtividade e bem-estar.
Referências
Safatle, V., Silva Junior, N., & Dunker, C. (2021). Neoliberalismo como Gestão do Sofrimento Psíquico. São Paulo: Autêntica.
Han, B.-C. (2015). A Sociedade do Cansaço. Editora Vozes.
Solomon, A. (2001). O Demônio do Meio-Dia: Uma Anatomia da Depressão. Edição Econômica.
International Labour Organization (ILO). (2020). Working Time and Work-Life Balance Around the World. Geneva: ILO.
American Psychological Association (APA). (2019). Stress in America: Stress and Work.
Instituto de Estudos do Trabalho (IZA). (2021). Work-Life Balance and Well-being in Europe.
Harvard Business Review. (2020). Burnout in the Workplace: Addressing and Preventing Employee Burnout.
Eu acredito que existam profissionais que podem desfrutar de uma jornada híbrida, mas há outros que não, porém acredito muito mais em escalas que contemplam uma carga horária diária menor, sendo assim 5x2 ou ainda quem sabe 4x3 (temos que almejar).
Trabalhar 5, 6 horas por dia é meu ideal, especialmente de Manhã e estar já em casa de volta ao meio da tarde.
Sou muito mais produtiva durante o dia, por isso, qualquer jornada que me faça passar de 8, 9 horas fora de casa já me deixa descompensada, considerando que, acordo muito cedo, levanto-me entre 4:50 e 5:15 nos dias comerciais e aos finais de semana estendo meu horario de sono até às 5:45 / 6:15 no máximo e também que, após chegar em casa serão mais pelo menos 3 horas de jornada como mãe antes de colocar a filha para dormir. 😅
Não temos que viver para trabalhar, nossa prioridade deveria ser para manter nossa saúde e bem estar, mas o capitalismo rouba nosso tempo e leva muitos a acreditar que estão conquistando e ganhando com isso...
Muito boa análise, Lucas. Achei corajosa colocar essa PEC em discussão em um momento em que o comando e o controle está tão em voga novamente. E, para isso vingar, penso que há uma transformação muito maior, pois naturalizados tanto essa escala que a maioria não percebe que os sacrifícios, por exemplo, dos porteiros dos seus prédios. As necessidades desses e de outros trabalhadores tornam-se invisíveis, ainda que a presença deles seja essencial para a nossa segurança e lazer.